"O homem livre não pensa em nada a não ser na morte; e a sua sabedoria é uma meditação não sobre a morte, mas sobre a vida" ESPINOSA.
FUGA DA MORTE
Nesse contexto, o homem ocidental, aos poucos, começou a expulsar a morte de sua vida cotidiana. Em seu livro Ensaios sobre a história da morte no Ocidente, o historiador Philippe Ariès examina com minúcia a passagem, lenta e progressiva, da morte familiar na Idade Média para a morte reprimida e proibida nos nossos dias. Defende a posição de que, ao considerar a morte um acontecimento excepcional, o Ocidente caiu na tentação de dela fugir.
Nesse contexto, o homem ocidental, aos poucos, começou a expulsar a morte de sua vida cotidiana. Em seu livro Ensaios sobre a história da morte no Ocidente, o historiador Philippe Ariès examina com minúcia a passagem, lenta e progressiva, da morte familiar na Idade Média para a morte reprimida e proibida nos nossos dias. Defende a posição de que, ao considerar a morte um acontecimento excepcional, o Ocidente caiu na tentação de dela fugir.
Não causa surpresa, pois, que, no século XVII, com Francis Bacon, a questão da eutanásia tenha migrado para o domínio da medicina; passouse a usar o vocábulo para expressar a idéia de que cabia ao médico aliviar os sofrimentos dos doentes, tanto para curá-los quanto para proporcionarlhes uma morte tranqüila. Com o direito moderno, porém, a eutanásia assumiu caráter criminoso, uma vez que viola a proteção irrecusável da vida.
Concebendo-se a vida como o bem jurídico mais valioso, o bem inalienável e intransferível por excelência, entendeu- se que ela era o direito primeiro da pessoa humana, direito esse que se devia proteger acima de todos os demais. Tutelado pelo Estado até contra a vontade do indivíduo, julgou-se tratarse de um direito absolutamente indisponível. Excluindo-se o seu contrário, converteu-se, então, o direito de viver em dever.
A meu ver, hoje nos encontramos numa situação paradoxal. De um lado, testemunhamos a banalização da morte. Em nossa vida cotidiana, dela ouvimos falar e nela falamos o tempo todo. A morte aparece como fenômeno biológico, ao lado das outras fases da vida: o nascimento, a puberdade, a maturidade e a velhice. Ela surge como fenômeno social, quando nos referimos a taxas de natalidade e taxas de mortalidade.
Apresenta-se como fenômeno determinante para a demografia, na medida em que discutimos o decréscimo ou o aumento da população em diferentes regiões do planeta. Para a medicina, a morte se mostra como fenômeno letal, que tem de ser previsto e explicado; para o direito, ela se enquadra como fenômeno natural, que deve produzir documentos como certidões de óbito.
Então, por que a morte é sempre vista como uma espécie de escândalo? Por que ela enseja ao mesmo tempo horror e curiosidade? É certo que a morte, esse acontecimento banal, aparece como um fato dentre outros; um fato que o jornalista relata, o médico legista constata, o biólogo analisa, o policial investiga.
Mas, por outro lado,um fato que não tem igual, um fato ímpar, desmedido e incomensurável. Não podemos deixar de constatar que a morte é um mistério; não temos como nos proteger de seu caráter vertiginoso e desconcertante. É por isso, aliás, que tanto falamos nela e dela tanto ouvimos falar.
Os homens falam mais do que menos conhecem. E assim como falam da morte, também falam do amor. Não é por acaso que a sempre nova banalidade da morte, de algum modo, se assemelha à antiga novidade do amor. Eros, o deus grego, quando atinge.
A morte é um mistério. Por isso, falamos tanto nela. Os homens falam mais do que menos conhecem. E assim como falam da morte, também falam do amor.
o coração dos seres humanos, neles desperta um sentimento único. Representado como uma criança a brincar com seu arco-e-flecha, ele vem lembrar que o amor é sempre inédito para aqueles que o vivem. De igual modo, a morte. Toda vez que ela se faz presente é como se fosse a primeira vez. Por mais que se repita a experiência em nossas vidas, com ela não nos acostumamos. Daí, essa mistura de familiaridade e estranheza que a morte provoca em nós.
Contudo, hoje a morte não é vista como um ganho, mas como uma perda. Nos tempos modernos, ela se tornou um tema a ser evitado. Inexorável, representou para o homem, que se queria senhor e dominador da natureza, o maior desafio. Obrigou-o a deparar-se com a própria fragilidade; coagiu-o a defrontar-se com a finitude.
Nos nossos tempos, a situação todavia se agrava. Na sociedade em que vivemos, o ser humano que está à morte é tido por um insucesso. Nesta sociedade que preconiza a produtividade e o lucro, que prega a eficácia a qualquer preço, que promove o espírito de competição e a lógica da exclusão, o moribundo é visto como um malogro.
ACEITAR A FINITUDE
Mas por que não perseguir a idéia de que, numa outra sociedade, todo ser humano teria assegurado o seu direito a uma morte digna, porque veria antes respeitado o seu direito a uma vida digna? Então, o homem não mais desempenharia o papel de dominador da natureza, mas abandonaria a posição privilegiada que durante séculos acreditou ocupar.
Mas por que não perseguir a idéia de que, numa outra sociedade, todo ser humano teria assegurado o seu direito a uma morte digna, porque veria antes respeitado o seu direito a uma vida digna? Então, o homem não mais desempenharia o papel de dominador da natureza, mas abandonaria a posição privilegiada que durante séculos acreditou ocupar.
Ele não mais se imporia como um sujeito em face da realidade, mas se converteria em parte do mundo. Aceitando sua humana condição, com tudo o que nela há de frágil e finito, ele não mais pensaria a vida e a morte como termos excludentes.
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