Considerando-se quão grande é o sofrimento de certos Espíritos culpados no mundo invisível, quanto é terrível a situação de outros, tanto mais penosa pela impotência de preverem o termo desses sofrimentos, poder-se-ia dizer que se acham no inferno, se tal vocábulo não implicasse a idéia de um castigo eterno e material.
Mercê, porém, da revelação dos Espíritos e dos exemplos que nos oferecem, sabemos que o prazo da expiação esta subordinado ao melhoramento do culpado.
O Espiritismo não nega, pois, antes confirma, a penalidade futura. O que ele destrói é o inferno localizado com suas fornalhas e penas irremissíveis. Não nega, outrossim, o purgatório, pois prova que nele nos achamos, e definindo-o precisamente, e explicando a causa das misérias terrestres, conduz à crença aqueles mesmos que o negam. Repele as preces pelos mortos? Ao contrário, visto que os Espíritos sofredores as solicitam; eleva-as a um dever de caridade e demonstra a sua eficácia para os conduzir ao bem e, por esse meio, abreviar-lhes os tormentos (2).
Falando à inteligência, tem levado a fé a muito incrédulo, incutindo a prece no ânimo dos que a escarneciam. O que o Espiritismo afirma é que o valor da prece está no pensamento e não nas palavras, que as melhores preces são as do coração e não dos lábios, e, finalmente, as que cada qual murmura de si mesmo e não as que se mandam dizer por dinheiro. Quem, pois, ousaria censurá-lo?
Seja qual for a duração do castigo, na vida espiritual ou na Terra, onde quer que se verifique, tem sempre um termo, próximo ou remoto. Na realidade não há para o Espírito mais que duas alternativas, a saber: — punição temporária e proporcional à culpa, e recompensa graduada segundo o mérito. Repele o Espiritismo a terceira alternativa, da eterna condenação.
O inferno reduz-se à figura simbólica dos maiores sofrimentos cujo termo é desconhecido. O purgatório, sim, é a realidade.
O inferno reduz-se à figura simbólica dos maiores sofrimentos cujo termo é desconhecido. O purgatório, sim, é a realidade.
A palavra purgatório sugere a idéia de um lugar circunscrito: eis por que mais naturalmente se aplica à Terra do que ao Espaço infinito onde erram os Espíritos sofredores, e tanto mais quanto a natureza da expiação terrena tem os caracteres da verdadeira expiação.
Aliás, por esta transformação, que neste momento se opera, a Terra se elevará na hierarquia dos mundos. (ESE, cap. III — “Progressão dos Mundos”.
Mas, por que não teria o Cristo falado do purgatório? É que, não existindo a idéia, não havia palavra que a representasse. O Cristo serviu-se da palavra inferno, a única usada, como termo genérico, para designar as penas futuras, sem distinção. Colocasse ele, ao lado da palavra inferno, uma equivalente a purgatório e não poderia precisar-lhe o verdadeiro sentido sem ferir uma questão reservada ao futuro; teria, enfim, de consagrar a existência de dois lugares especiais de castigo. O inferno em sua concepção genérica, revelando a idéia de punição, encerrava, implicitamente, a do purgatório, que não é senão um modo de penalidade.
Reservado ao futuro o esclarecimento sobre a natureza das penas, competia-lhe igualmente reduzir o inferno ao seu justo valor. Uma vez que a Igreja, após seis séculos, houve por bem suprir o silêncio de Jesus quanto ao purgatório, decretando-lhe a existência, é porque ela julgou que ele não havia dito tudo. E por que não havia de dar-se sobre outros pontos o que com este se deu?
“O Céu e o Inferno”, Allan Kardec.
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